domingo, 3 de julho de 2016

direitos tornam-se privilégios quando nem todos os têm

Deveria ter escrito minhas considerações de aniversário, mas acabei nem escrevendo.

Deveria estar focando no meu artigo de modalidades (depois tem o do ensino médio), mas quis escrever um pouquinho aqui.

Queria escrever sobre privilégios.

Pra começar, vou pedir pra você olhar pra sua vida atual e enumerar quais são os privilégios que você tem. Pensou? Depois de pensar um pouco, lembre do seu passado, sua trajetória de vida. Quais os privilégios que você teve na sua vida?

Algum deve ter.

Olha só, se você for branco, já é privilegiado por nunca ter sofrido preconceito como um negro sofre. Se você estudou em escola pública, pelo menos pode estudar, sem precisar parar para trabalhar e ajudar os pais a sustentar a casa. Se você tem casa, já é privilegiado por não morar na rua.

Pense quais são os privilégios que ser filho de seus pais lhe proporcionou/proporciona. São privilégios:
- Seus pais terem te criado.
- Alguém ter te criado, seja avós, tios ou irmãos.
- Você ter uma família!
- Seus criadores gostarem de ler, aprender. Isso influencia você a ser inteligente.
- Seus criadores te apoiarem no que você faz. Mesmo que uma ou outra vez eles não apoiem totalmente, permitir que você faça o que quiser da vida já é um privilégio e tanto.
- Seus criadores terem condições financeiras para te sustentar. Para te deixar estudar.
- Seus criadores terem condições de pagar uma escola particular pra você. Sério, isso é um privilégio gigante!

Não quero dizer que não possamos reclamar. Podemos, sim. Mas a gente pode fazer uma reflexãozinha de vez em quando e pensar no quanto somos privilegiados. Agradecer.

Acabei pensando em escrever sobre isso porque ouvi uma indignação de um amigo essa semana, que não pode entrar num curso técnico - público - de nível médio porque sua inscrição acabou entrando no sistema de cotas e ele não conseguiria provar que sua renda per capita é menor que um salário mínimo e meio, PORQUE NÃO É. Hoje, já que não pode entrar nesse curso que, depois, acabou confessando que nem queria tanto assim, está estudando em uma escola particular. Ele me falou que odeia as cotas, acha uma injustiça porque há negros muito bem de vida que entram pelas cotas, quando poderiam estar pagando uma escola, ou que as pessoas que entraram com a vaga dele tinham notas piores que as dele.
Eu me obriguei a falar que tudo bem ele perder aquela vaga, pois hoje ele está estudando em uma boa escola, e quem ficou com a vaga dele hoje estaria provavelmente estudando em uma escola regular pública e provavelmente péssima, com pouca ou nenhuma perspectiva.
Tive que falar sobre os privilégios os quais a gente não se dá conta que tem.

E não podemos, de maneira alguma, querer impedir que outras pessoas tenham os privilégios - que muitos creem que sejam apenas direitos, porém se tornam privilégios quando nem todos os têm - que nós já temos.

Eu poderia citar aqui o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mulheres não se depilarem, umbandistas poderem nos desejar algo com Exú, etc. Por que apenas homens e mulheres são casais "normais"? Por que homens peludos = tudo bem e mulheres com pelos = nojo? Por que podemos desejar que alguém "fique com Deus", mas umbandistas não podem nem falar de seus deuses que as pessoas já acham que é algo mal?

Enfim. Se eu posso crer no meu Deus, o coleguinha pode crer no Deus que ele quiser. Se eu posso cultuar minhas crenças, ele também pode, desde que NENHUM DE NÓS faça mal a outrem.

As cotas, sejam raciais ou econômicas, vão muuuito além de "privilégios", são uma dívida nossa (povo com alguma condição). Quem dera fosse uma dívida apenas histórica. As cotas só deixarão de ser uma necessidade quando TODOS - negros, brancos, ricos e pobres - tiverem acesso a uma mesma educação, de qualidade, e possam se dedicar de igual maneira a ela. Então, não precisaremos mais delas porque seremos iguais no sentido literal da palavra e não apenas na teoria. E os privilégios, por atingirem a todos, voltarão a ser apenas direitos.

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