domingo, 13 de abril de 2014

sobre avôs

E quando a gente perde alguém que tem o mesmo sangue que a gente? Alguém que, se não existisse, não permitiria nossa existência... Um avô. É estranho.

Eu, melhor do que ninguém, sei o que sentar ao lado do avô na rua e não ser reconhecida. E não é por nenhuma doença de memória, mas eu nunca achei motivos. Passava por mim na rua e eu era uma pedestre qualquer, desconhecida. Quando eu ia à casa dele, ele perguntava pra minha avó quem eu era, de quem era filha. A minha vó dizia meu nome, a filha da Bea, é aquela neta que é professora. Aí ele tentava falar meu nome, 'Aah, a Thaíse', ou 'Ah, a Thas', me chamava de 'professora', e ficava nessas. Eu não achava isso legal nem agradável nem engraçado nem nada. Me dava raiva, me irritava, porque era isso que ele fazia pra se livrar de qualquer coisa: não lembrava. Quando a pessoa tem problema de memória, ok, é entendível. Só que ali era uma memória seletiva: ele não lembrava do que não queria. Porque nem a minha mãe ele cumprimentava na rua, mas quando ele estava com alguma amante, aí se escondia e disfarçava quando via a minha mãe. Isso não me deixa acreditar que ele tivesse algum problema de reconhecimento ou de memória.
Ele maltratava a minha avó e meus tios. Eu amo muito a minha avó. E tem coisa pior que ver alguém maltratando quem a gente ama? Minha vó sofreu muito por ele, teve a oportunidade de se separar, mas nunca quis. E era principalmente por isso que eu não gostava dele: porque ele fazia minha avó sofrer, e ela dava a vida por ele. Ela e meus tios sustentavam a casa, ele nunca comprava nada e sempre queria do bom e do melhor dentro de casa. Fez empréstimos absurdos, não pagou e depois vieram cobrar da minha avó. Enfim, foram milhares de coisas erradas que ele fez.

Talvez por isso eu nunca o considerei um avô por inteiro. Porque avô de verdade é aquele que sempre morou comigo. Que nunca mediu esforços para ajudar qualquer um dos netos (mesmo tendo vinte e cinco netos e muitos bisnetos). Que sempre me apoiou em tudo. Que nunca cansou de me dar bom dia e, na hora de ir dormir, beijar a minha mão e me dar boa noite. Que conta histórias. Que eu tenho muita saudade. Esse é um vô de verdade. E eu sinto diminuindo ele quando considero o outro avô, que nem me reconhecia na rua, como meu vô também.

Ele morreu dormindo. Segundo minha mãe, foi algo parecido com infarto. Havia uma semana que ele não queria comer, só bebia água. Nem a insulina queria aplicar. Todas as noites fazia bagunça e barulhos, justamente para incomodar minha vó e meus tios, mas na sexta não fez barulho algum. Às três da manhã, minha vó levantou e foi ver se ele queria água; ele apenas disse "não". Às seis e meia, quando minha vó foi dar o remédio, ele já estava frio. Vale ressaltar que na sexta, minha avó foi cuidar dele na cama, e ela caiu, machucou a perna e a cabeça.

Sabe, meu pai disse que agora minha vó vai viver melhor. Vai se estressar menos, não vai mais se incomodar com ele. Eu concordo. Mas mesmo assim, era meu parente de sangue, sou descendente dele, tenho sangue dele. E ele morreu. Mas talvez tenha sido melhor assim. Pra ele e pra quem ficou.

Vou tentar ficar bem. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário